O segredo da felicidade esbarra no recorte social

06 de maio de 2024
por Lola Salles

“Sono regulado, alimentação balanceada, manejo do estresse, exercício físico e boas relações” essa foi a resposta direta que o psicólogo e neurocientista Eslen Delanogare deu em um podcast, ao ser perguntado sobre o segredo da felicidade. Apesar de ser um termo subjetivo e variável, de acordo com cada cultura e contexto, parece que, para falar sobre bem estar, performance, conquistas e uma vida integral, é preciso ter sólidos esses pilares acima.

Segundo a ciência, nosso corpo é uma máquina altamente inteligente, que ama rotinas bem definidas, e como recompensa a comportamentos simples, mas previsíveis e intencionais, ele nos presenteia com sua melhor versão em funcionamento. Uma boa dica para entender mais profundamente essa mecânica é o livro Hábitos atômicos, escrito pelo médico Norte americano James Clear. Por outro lado, quando esses pilares estão desbalanceados, essa máquina começa a apresentar problemas. Doenças, queda de rendimento, transtornos psicológicos – atualmente tão comentados, como ansiedade e depressão-, afetando várias áreas das nossas vidas. Segundo especialistas,um número baixíssimo de diagnósticos depressivos têm relação genética, no entanto, a maioria são causadas por estilo de vida e ambiente. Evidenciando assim , o fator de risco que a pobreza é quando o assunto é saúde mental; Pode parecer simples, ajustar esses pontos e viver uma vida plena , mas talvez seja isso, o óbvio é o mais sofisticado lugar para se atingir .

Na busca de, que obter qualidade de vida, seja algo tangível e democrático, acompanhar estudos que trazem esses apontamentos, deixa uma tarefa para se dar atenção, o recorte social, sempre ele. Comentar quase qualquer coisa, quando se trata de bem-estar e saúde, sem se atentar a este ponto, é explicar as coisas pela metade. A pobreza é um fenômeno multidimensional, que não se restringe apenas à esfera da privação material, alcançando dimensões psicossociais e limitações não só no presente, mas na possibilidade de construção de futuro.

A relação entre saúde e pobreza se retroalimenta, uma vez que um baixo nível de renda dificulta o acesso a adquirir bens e serviços de saúde, dispor de exames preventivos, tratamento adequado quando diagnosticados e, por sua vez, a ausência desses cuidados tende a causar um baixo nível de renda em retorno. Incapazes de acessar direitos básicos fica mais complexo a busca por mover-se social e economicamente; No Brasil, a chance de um filho repetir a baixa escolaridade dos pais é alta, quase seis a cada dez brasileiros (58,3%) cujos pais não tinham o ensino médio completo também pararam de estudar antes de concluir essa etapa.

Quando ao citar, por exemplo, o manejo do estresse como ação prioritária para não adoecermos, entende-se o desafio que é estender os benefícios dos direcionamentos que a ciência nos sugere à lugares em que a desigualdade social impera. Uma vez que é sabido os perigos da exposição crônica a ambientes e situações estressoras, reafirmamos o impacto da pobreza na saúde mental e produtividade. Territórios de risco, em que a violência e imprevisibilidade são uma constante, impactam diretamente no aprendizado, sono e dinâmicas relacionais das pessoas que ali habitam, contrariando totalmente as recomendações atuais da ciência no quesito saúde. Fica o desafio para estas pessoas cuidar de si mesmas apesar desses  limitadores.

Um fenômeno curioso nas periferias, que pode ter uma das suas causas explicadas, é a explosão de igrejas nesses territórios .Na ausência de formas tradicionais de cuidado, o  sistema de saúde precário tem levado grande parte da população a procurar modos alternativos para o restabelecimento do seu bem-estar. Dentro desse cenário, a figura da igreja ganha força nas comunidades carentes, trazendo a espiritualidade como promessa de cura e rede de apoio, elevando o amparo emocional que elas oferecem como bálsamo para uma realidade que não oferece meios de buscas por outras ferramentas;  Também o esporte Por ser de fácil identificação e assimilação entre os jovens,e por não demandar investimentos financeiros  iniciais tão altos, quando ele  entra em uma área carente, ele  traz impacto gigante, implementando valores e permissões ,que até então ,não são vistos como pertencentes às classes mais baixas, como olhar para sua própria alimentação, cuidar do sono, ter atenção com seu estado mental e equilíbrio. Como resultado de uma representação muitas vezes caricata e estereotipada do que é ser uma pessoa moradora de favela, os símbolos que exaltam essa suposta identidade por vezes romantizam vícios e hábitos que perpetuam e não ajudam a interromper essa  pobreza geracional. 

Observar o que é considerado um valor para cada classe social propicia o entendimento das relações de poder que se dão através do que é permitido ,de forma subliminar, e estimulado , de acordo com cada território. Quais são as práticas, como é a auto imagem que se é promovida para cada espaço levando em consideração seu status econômico? Parece que em áreas com menos acesso à informação e poder aquisitivo – além da limitação financeira em si – , mais práticas de autocuidado como frequentar um psicólogo, ter acompanhamento médico preventivo etc são vistos como futilidades. Logo elas ,as preditoras de felicidade que a ciência aponta. Parece que esse bem estar realmente não foi feito para todos os bolsos.Pensar sobre isso também permite questionar desejos, o que é considerado riqueza e definir melhor o atual tão falado “ chegar no topo”, frase frequentemente dita pelos ídolos vindos da periferia. Entende-se a deficiência no ensino em geral como um causador dessa distorção, quando ele chega ,sobre o que é e qual finalidade tem o dinheiro. Recentemente o cantor Mc Daniel em uma entrevista comentou sobre essa mudança de mentalidade  ao perceber o quanto gastava com coisas supérfluas e com isso voltaria para pobreza.  O estímulo ao consumo excessivo, no estilo  “ favela venceu” , não parece ser mais útil do que se educar financeiramente e assim começar esse caminho pela busca de uma saúde integral e sustentável. Para se chegar nesse bem estar amplo, uma das tarefas é olhar mais profundamente, para essa definição de felicidade.

Lola Salles @lolasalles21

Rapper, compositora e roteirista, é moradora da favela do Vidigal (RJ). Com parcerias com milhões de visualizações no Youtube e Spotify com artistas como L7nnon, Mc Cabelinho, Derek e outros, Lola transforma suas vivências enquanto pessoa marginalizada em arte.