Justiça climática, racismo ambiental: A ausência negra em espaços verdes.

14 de janeiro de 2024
por Lola Salles

Apesar de as mudanças climáticas não discriminarem a quem atinge, afinal a Terra é uma só para todos, há aquelas que em uma tempestade dormirão em um quarto seguro enquanto outros dormem no quintal, mais expostas a todo tipo de perigo. 

Pessoas em vulnerabilidade social têm encarado com mais intensidade os efeitos desta crise desde sempre, pensando que são estas as que mais sofrem com riscos de deslizamentos acentuados por chuvas cada vez mais intensas, enchentes, crise hídrica, poluição, desconforto térmico… Imagine esse cenário dentro de trajetos diários em transportes públicos sempre cheios, sem refrigeração. Moradias sem urbanização com excesso de pessoas por metro quadrado… São inúmeros os motivos para pontuar que é fácil notar a ligação íntima entre emergência climática e a luta por justiça social. 

“Can i live?” é  uma produção teatral que traz em sua linguagem artística elementos de hip hop, transformada em filme pelo artista Fehinti Balogun onde aborda o tema das mudanças climáticas sobre a perspectiva de pessoas marginalizadas. A obra chegou ao Brasil no mês da consciência negra e Cop28. Seguindo essa mesma linha, temos a obra brasileira “Como sobreviver ao racismo ambiental”, documentário produzido por um coletivo de jovens da baixada do Rio de Janeiro, que além de narrar fatos acontecidos também propõe o exercício de reflexão sobre autorresponsabilidade e possibilidades para mitigar os efeitos dessa crise estabelecida.

É preciso reconhecer que não por acaso lugares com forte presença da população negra são os mais atingidos por desastres ambientais e onde menos se percebe investimentos pelo poder público em bem estar e saúde. Assim como as escolhas territoriais sobre onde  vão instalar  indústrias altamente poluentes, seja via ar ou solo , tem sobrado para as regiões periféricas desde sempre.

A pesquisadora Gabrielle Alves de Paula define e explica que “racismo ambiental é qualquer política, legislação ou prática que atue na reprodução segregada do espaço” . Espaço é poder, espaço é acesso. Essa fragmentação excludente, que é fruto de um projeto, apesar de ser normalizada como efeito colateral do ‘progresso’, tem como consequência a oferta/omissão desigual de serviços e infraestruturas para populações historicamente vulnerabilizadas.

Sempre existiram, graças a falta de estrutura e engenharia ambiental adequadas, tragédias ambientais nos espaços mais pobres, porém as mudanças climáticas agravam isso. Dada a estrutura precária, sofrer com as imposições do clima sempre foi uma realidade de famílias pobres. Casas que sofrem deslizamento graças a ocupações territoriais irregulares motivadas historicamente pela desigualdade social. Cabe o esforço conjunto de pensar e propor como se dará essa adaptação a esse novo mundo que se apresenta. 

Quanto mais se inclina o terreno, mais medo de a chuva levar o que você construiu com tanto esforço. Quanto mais plano, o pavor da invasão terrestre daquilo que vem do céu. Quando algo tão poético pode também virar tormento: – “tomara que não chova hoje!”, ou se mudarmos a posição do mapa também muda a posição da prece – “tomara que chova hoje!”. Neste caso, crise hídrica, o que resta é torcer para que  venha de cima o que não chega pelo poder público. 

Em algumas periferias como em Queimados, região metropolitana do Rio de Janeiro, a união entre saberes locais e tecnologia estão sendo usados no intuito de mitigar esses efeitos, como por exemplo o Projeto Avatar, que usa de conhecimentos caseiros para detectar a qualidade da água, do ar, monitorar áreas que sofrem com queimadas, e as condições do solo. Até mesmo um robô para monitorar enchentes tem sido incluído como plano de ação emergencial. Tem ficado nas mãos da população criar meios de sobrevivência dentro desses espaços que o poder público ignora e não intervém. Dados científicos e saberes locais têm se cruzado no intuito de  encontrar essas soluções de emergência ambiental. 

Lola Salles @lolasalles21

Rapper, compositora e roteirista, é moradora da favela do Vidigal (RJ). Com parcerias com milhões de visualizações no Youtube e Spotify com artistas como L7nnon, Mc Cabelinho, Derek e outros, Lola transforma suas vivências enquanto pessoa marginalizada em arte.